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Sonhando a Palestina, de Randa Ghazy


"Às vezes me pergunto se algum dia sairemos desta guerra. Quero dizer, há quanto tempo estamos lutando? Nossos pais, nossos avós e nossos bisavós não fizeram outra coisa, e agora nós estamos fazendo o mesmo, e quem disse que nossos filhos e nossos netos não farão igual? E se um dia parássemos de lutar e de brigar com os soldados que aparecem em nossos vilarejos? E se parássemos de usar a violência, o que eles fariam? Eles nos matariam da mesma forma? Continuariam andando por aí em carros blindados com metralhadoras? Deixariam de ocupar nossos territórios?"


Uma história que faz os leitores sentir um soco no estômago, uma narrativa triste, pesada, incômoda. Esse livro foi escrito justamente para fazer qualquer um pensar.

Todos sabemos que está ocorrendo uma guerra no Oriente Médio, mais precisamente o conflito entre judeus e palestinos, todos sabemos o quão horrível é uma guerra e quais sequelas ela pode trazer. Mas será que sabemos mesmo?


A autora Randa Ghazy, na época com quinze anos de idade, não aguentou ficar calada sobre toda essa matança e quis cutucar a ferida de todos no mundo, com sua mistura de prosa e poesia. Ela consegue transmitir toda a musicalidade e embalo em suas partes poéticas e consegue, por outro lado, firmar muito bem seus personagens em prosa.



A narrativa conta a história de Ibrahim, Nedal, Ramy, Mohammad, Ahmed, Jihad, Riham e Ualid que passam por uma rotina de fuga, morte, perdas e homens-bomba. Os oito personagens são palestinos e vivem em constante sentimento de perseguição pelos soldados judeus. Nós acompanhamos durante todo o livro a história de encontro de cada um, mais ainda por Ibrahim. Nós temos toda a visão através dele.


Todos perderam alguém ou algo, os pais, suas casas, seu vilarejo. Em uma decisão depois de perder seu pai quando um soldado judeu atirou no mesmo, Ibrahim saiu a caminho de outros vilarejos até encontrar um e se abrigar na casa de Nedal, homem que acabara de conhecer e que mais a frente se tornaria seu melhor amigo. E mais uma tragédia envolvendo a morte de um palestino pelas mãos de um soldado judeu fez com que os dois amigos fugissem. Assim é durante todo o livro, encontrando estranhos pelo caminho e se tornando um grupo tão companheiro que se tornara uma família.


O último acontecimento para que todos os oito personagens se encontrassem, foi um massacre judeu a um vilarejo, obrigando todos a correr, mas nessa ação um tiro pegou na mãe de um casal de irmãos desse grupo, e o mais desolador é ver que eles tem de deixar sua mãe para trás para poder ter uma chance de sobreviver. Durante a fuga, um caminhão palestino que resgata feridos para um hospital resolver parar na estrada e esperar os fugitivos. Ao chegar ao hospital, todo o grupo que fugiu se une ao enfermeiro e ao caminhoneiro que os ajudaram, formando assim o grupo inseparável que virará uma família forte.


O livro também mostra que a guerra une as pessoas, formam uma família nova, onde há amizade verdadeira e mesmo em meio a guerra, eles sentem a alegria de uma nova vida a caminho, a mulher do grupo está grávida e isso é como uma nova motivação para todos. Aqui temos oscilações de sentimentos o tempo inteiro: felicidade por um curto período de paz, tristeza pela perda de alguém, desespero pela guerra não parecer ter fim, revolta e o desejo de fazer justiça com as próprias mãos.


Além de mostrar a dor do conflito de Gaza, o livro trás diversas vezes críticas sobre o motivo de países poderosos não ajudarem para que essa guerra chegue ao fim. A revolta de quem está dentro da guerra e sem nenhuma saída, que só quer uma ajuda de quem está de fora e não as vê. Segue um trecho para exemplo.


"Aqueles países, os países europeus, que criticam nossa Intifada, mas não nos dão a menor ajuda. Se a guerra é o sistema errado, por que eles não fazem algo de concreto? A verdade é que a guerra só é o sistema errado quando é cômodo para eles, eis a verdade."


Outra citação:

"Esta guerra é nossa praga. Ela perseguiu nossos pais, agora persegue a nós e irá perseguir nossos filhos. Não há como impedir toda essa violência? Santo Deus, não há como deter os pecadores, os judeus? Estão nos matando a todos, por quê? Por que o resto do mundo não faz nada? Por que os outros países não fazem nada? Se tentassem impedir esta carnificina ... se... Por que não nos ajudam? Por que ficam parados, olhando, Nedal?"


Esse livro não foi muito bem aceito pelos críticos judaicos que responderam dizendo que o livro incitava o ódio contra os judeus. Houve também um movimento para banir o livro na França.


Randa Ghazy escreveu o livro baseado em muita pesquisa e também em alguns acontecimentos que ela lia nos jornais. Sonhando a Palestina foi traduzido e publicado em 14 países. E o impressionante é que um livro publicado em 2002 ainda seja tão atual, é triste perceber que toda a matança e a guerra ainda é vivida até hoje.


Eu indico fortemente esse livro para quem quer sair da zona de conforto, é uma enorme sequência de tapas na cara que fazem nosso coração apertar e o final simplesmente nos derruba, foi um livro que me deixou com o coração na mão. Não perca a oportunidade de ler este livro.

Título: Sonhando a Palestina

Autor (a): Randa Ghazy

Ano de Publicação: 2002

Editora no Brasil: Record

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